Um estudo publicado na revista Freshwater Biology demonstrou que cinco populações de saramugo (Anaecypris hispanica), até agora consideradas extintas em Portugal, continuam a deixar vestígios genéticos em vários afluentes do Guadiana. Os dados foram obtidos através de uma abordagem baseada em ADN ambiental, que permitiu detetar a presença da espécie com maior sensibilidade do que os métodos tradicionais.
O trabalho resulta de uma colaboração entre investigadores do MARE, ARNET, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, CIBIO/BIOPOLIS da Universidade do Porto, CE3C, MUHNAC, CEF do ISA, e o ICNF. O estudo foi coordenado por Ana Veríssimo (CIBIO/BIOPOLIS) e Filipe Ribeiro (MARE/ARNET), com financiamento do POSEUR, Fundo Ambiental, FCT e Horizonte 2020.
“O estudo permitiu detetar DNA do saramugo em amostras de água com grande precisão. Fizemos várias análises para garantir a robustez dos testes positivos. Estamos confiantes na deteção das populações ‘recém-desaparecidas’”, afirma Ana Veríssimo.
Carlos Carrapato, técnico superior do ICNF, sublinha: “Nas monitorizações realizadas regularmente desde o início do século nunca foram capturados exemplares de saramugo, o que apontava para a sua extinção local, sendo o objetivo deste estudo avaliar a sua persistência nestes locais.”
A recolha de amostras decorreu em 70 locais da bacia do Guadiana, em maio de 2022, e revelou resultados positivos em 19 pontos — vários dos quais localizados em sub-bacias onde a espécie já não era detetada há mais de duas décadas. Estas novas deteções ampliaram significativamente os parâmetros geográficos usados para avaliar o risco de extinção, como a área de ocupação e o número de localizações.
“A localização destes testes positivos é muito consistente, e espacialmente coerente com a distribuição da espécie no final do século passado. Isto significa que a espécie ainda está lá e que devemos monitorizar todas as dez populações existentes em Portugal. A monitorização deve ser feita com esta nova técnica, mas também com pesca científica, usada há várias décadas, pois só assim podemos determinar a evolução das populações no futuro”, reforça Ana Veríssimo.
Filipe Ribeiro, do MARE/ARNET, que tem vindo a acompanhar esta espécie desde o início da sua carreira, alerta: “O saramugo continua a desaparecer e é urgente ter um plano de recuperação efetivo para a espécie! É essencial que haja compromisso do Estado Português na proteção e recuperação desta espécie, tal como aconteceu com outras espécies mais carismáticas.”
Filomena Magalhães, coordenadora do Livro Vermelho dos Peixes, professora da FCUL e investigadora do CE3C, acrescenta: “Apesar da área de ocorrência da espécie não ter mudado muito desde 2005, as cinco populações agora detetadas são muito frágeis e, muito provavelmente, não serão viáveis a médio prazo se não forem reforçadas e os seus habitats recuperados localmente”.
Texto por Vera Sequeira
Fotografia de Carlos Carrapato