No dia 23 de junho, a Sociedade de Geografia de Lisboa acolheu uma sessão aberta ao público dedicada a pensar o futuro dos nossos mares. Sob o tema “Os desafios da Biologia Marinha para o século XXI”, o evento reuniu os investigadores Paula Chainho e Bernardo Quintella do MARE/ARNET da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e ainda João Silva do CCMAR-UAlg. A moderação esteve a cargo de Ricardo Melo, também do MARE/ARNET-FCUL.
Paula Chainho começou por lançar um alerta direto: o número de espécies marinhas não-indígenas em Portugal tem vindo a crescer de forma preocupante. “Não há imigração de biodiversidade”, afirmou, chamando a atenção para a forma como estas espécies chegam até nós. São transportadas, muitas vezes inadvertidamente, por embarcações ou introduzidas através de práticas como a aquacultura ou o uso de isco vivo. O resultado é um desequilíbrio crescente nos ecossistemas, com impactos que vão do ambiente à economia. Segundo a investigadora, mais de 80% das introduções conhecidas aconteceram nos últimos 20 anos. Casos como o da ameijoa-japonesa, espécie dominante em vários estuários nacionais, ilustram bem a complexidade dos desafios, sobretudo quando estão envolvidas questões sociais e económicas.
Na sua intervenção, Bernardo Quintella focou-se nas Áreas Marinhas Protegidas (AMP) e na forma como têm sido implementadas em Portugal. O país tem dado passos importantes na criação de novas áreas, aproximando-se dos compromissos internacionais assumidos. No entanto, alertou, ainda há um longo caminho a percorrer. “Uma coisa é criar uma área marinha protegida, outra coisa é geri-la efetivamente, de forma a assegurar que ela está a cumprir os objetivos para os quais foi criada.” O investigador destacou a importância de envolver as comunidades locais, definir zonas com diferentes níveis de proteção e garantir que existem meios para fiscalizar e monitorizar o que acontece no terreno.
Seguiu-se um debate dinâmico, onde se cruzaram olhares sobre ciência, gestão e tecnologia. Um dos temas que mais ecoou na sala foi o da monitorização: esse trabalho persistente de voltar ao mesmo local, vez após vez, para perceber o que muda. Os investigadores sublinharam que monitorizar não é apenas recolher dados. É observar, interpretar e agir a tempo. E que, para isso, são precisos recursos, continuidade e uma valorização deste tipo de trabalho, tantas vezes esquecido.
As novas ferramentas, como o DNA ambiental, foram também abordadas com entusiasmo e cautela. Permitem detetar espécies com muito mais rapidez, mas os seus resultados precisam de ser bem interpretados e, quando possível, confirmados por métodos clássicos. Além disso, surgiram referências a tecnologias em desenvolvimento, como materiais antifouling (materiais que evitam a fixação de organismos marinhos nas embarcações) mais sustentáveis ou sensores remotos aplicados a zonas costeiras, com potencial para transformar a forma como monitorizamos o oceano.
A relação entre ciência e política não foi esquecida. Foi reconhecido o esforço crescente para comunicar resultados e recomendar soluções, mas também a frustração de ver decisões políticas que ignoram ou adiam o conhecimento já disponível. “Somos ouvidos, mas nem sempre no tempo que gostaríamos”, referiu Paula Chainho, num tom simultaneamente realista e esperançoso.
A sessão terminou com um apelo coletivo. É urgente fazer mais e melhor pela saúde dos nossos oceanos. Isso passa por investigação, sim, mas também por diálogo, cooperação entre instituições e um envolvimento real das comunidades. Porque os desafios da biologia marinha não são só da ciência. São de todos nós.