É nas águas calmas mas ameaçadas da costa ribeirinha de Almada que o investigador Gonçalo Silva tem centrado a sua missão científica e ambiental. À frente do projeto CavALMAR — uma parceria entre o MARE, o ISPA e a Câmara Municipal de Almada — Gonçalo Silva liderou o primeiro grande levantamento ecológico da biodiversidade marinha ao longo dos 10 km de frente ribeirinha do concelho, da Cova do Vapor ao Alfeite.
Entre 2022 e 2023, foram identificadas nove zonas com presença de singnatídeos, nomeadamente cavalos-marinhos e marinhas — espécies raras e extremamente sensíveis às alterações do seu habitat. Os dados são surpreendentes: 29 cavalos-marinhos-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus), 7 cavalos-marinhos-comuns (Hippocampus hippocampus) e 6 marinhas (Syngnathus acus), com destaque para a baía da Trafaria, considerada um verdadeiro refúgio para estas espécies.
“Estes valores são elevados para estas espécies, tratando-se de espécies raras, difíceis de detetcar, com pouca mobilidade, e que ocorrem pontualmente em áreas muito restritas”, explicou Gonçalo Silva à Green Efact
Mas nem tudo são boas notícias. O estado dos habitats onde estas espécies sobrevivem é alarmante. Durante o estudo, a equipa de Gonçalo Silva deparou-se com áreas fortemente degradadas, repletas de lixo: redes de pesca, nylon, latas, garrafas, pneus, anzóis, máscaras... e até carrinhos de supermercado.
“Para além de todo este lixo, as populações de cavalos-marinhos na margem sul ainda estão sujeitas a outras ameaças como a pesca ilegal, a poluição, o ruído subaquático e a destruição do habitat”, alerta o investigador.
Apesar da existência de legislação nacional que reconhece a vulnerabilidade dos cavalos-marinhos — como o Decreto-Lei nº38/2021 — Gonçalo Silva sublinha que a maioria do habitat destas espécies continua desprotegido ou mal gerido. Em Portugal, apenas cerca de 20% das zonas de ocorrência de cavalos-marinhos estão em áreas marinhas protegidas, e mesmo estas oferecem apenas um nível de proteção considerado baixo a moderado.
Os dados recolhidos pelo projeto CavALMAR, em conjunto com outras investigações em curso, deram origem a uma lista de recomendações concretas para preservar a biodiversidade da zona ribeirinha de Almada. Entre as medidas propostas estão:
O investigador considera que os cavalos-marinhos podem desempenhar um papel essencial na ligação emocional das pessoas ao meio aquático“Na verdade, os cavalos-marinhos constituem per se uma oportunidade não apenas para promover a reabilitação ambiental, mas também a urbana e social. É através de espécies-bandeira como os cavalos-marinhos que podemos criar e fortalecer laços de afetividade entre pessoas e o meio aquático, motivando-as a preservarem-no”.
Hoje, o investigador continua a trabalhar com as autoridades locais para garantir que a conservação não seja esquecida face aos novos projetos previstos para a zona, como a construção de um porto de pesca na Trafaria.
(Fotografia de Gonçalo Silva)