Entrevista especial: projeto Kids Dive

Na sequência da call que abriu o ano passado dedicada à Literacia do Oceano, o MARE conseguiu quatro projetos financiados pelo EEA Grants. O projeto Kids Dive é um deles e nesta entrevista o coordenador do projeto Frederico Almada explica o mesmo.

 

Em que consiste o projeto? Qual é a ideia-chave e o público-alvo do projeto?

O projeto Kids Dive pretende dar a conhecer o meio marinho a crianças e jovens dos 8-17 anos. Na nossa opinião, a melhor forma de o fazer é contar algumas das histórias fascinantes dos seres que habitam neste mundo azul de uma forma inovadora: mostrar o que estes seres marinhos veem, ouvem, sentem, sabem e cheiram transportando todos os participantes para um ambiente subaquático através de um mergulho com escafandro autónomo. Não se pode proteger o que não se conhece e a melhor forma de contribuir para o conhecimento e a mudança de comportamentos é literalmente imergir todos os intervenientes em atividades práticas que incluem mergulho, workshops, saídas de campo e experiências com vídeos em realidade virtual (VR 360˚) na companhia de parceiros fabulosos que incluem a National Geographic, o Oceanário e o Jardim Zoológico, entre muitos outros.

 

Como surgiu a ideia para este projeto?

Como biólogo marinho comecei a mergulhar bastante tarde, já durante a minha licenciatura na Faculdade de Ciências de Lisboa. No entanto, isso faz com que tenha uma memória vívida do que senti quando espreitei pela primeira vez para debaixo de água. Ter uma garrafa de ar comprimido às costas dá-nos a liberdade de ficarmos independentes da superfície, pelo menos durante algum tempo. Isso permite-nos ver detalhes que de outra forma teríamos que ignorar. É como visitar outro planeta em que podemos deixar-nos deslizar na corrente, observar florestas ondulantes e animais com barbatanas ou tentáculos que parecem observar-nos da mesma forma que nós os observamos a eles. Mais tarde, a amizade com o José Tourais, uma das pessoas que me ensinou a mergulhar fez-me ver o outro lado: ao levar outras pessoas a mergulhar percebi que eu não era o único a ficar fascinado com aquelas paisagens marinhas. Daí até surgir o Kids Dive demorou “apenas” 3 anos, depois do contributo de muitas pessoas.

 

De que forma vai este projeto ao encontro da Literacia do Oceano? E de que forma contribui para a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável da UNESCO (UNESCO Ocean Decade)?

A preservação da biodiversidade e o desenvolvimento sustentável, mas também as alterações climáticas e a poluição marinha, são temas que estão presentes no nosso dia-a-dia como cientistas e como divulgadores de ciência. O projeto Kids Dive nasceu desta ambivalência entre o fascínio pelo Oceano e a urgência de minimizar o impacto das atividades humanas. A necessidade de definir prioridades e de para elas estabelecer um calendário definido é algo que está presente em todas as atividades deste projeto educativo.

 

Qual é a característica mais diferenciadora deste projeto?

Alguns dirão que a característica diferenciadora deste projeto é o mergulho. A isto responderemos que isso é apenas a superfície. E nós queremos ir mais fundo…. O mergulho é a parte mais visível, o veículo que faz com que os participantes percebam que estamos ali para os ajudar a sair da sua zona de conforto e que podem confiar em nós. Um processo que normalmente demora tempo e que faz parte do nosso próprio crescimento como pessoas. Mas depois vem tudo o resto:

  1. as atividades que fazem debaixo de água, que foram desenvolvidas exclusivamente pela nossa equipa, e que estão relacionadas com o que fazem depois nos workshops;
  2. o trabalho com investigadores especialistas em diferentes áreas científicas: a biodiversidade, a conservação, os microplásticos. É informação permanentemente atualizada e em primeira mão;
  3. o documentário vídeo que, depois de nomeados embaixadores do Oceano, têm a missão de mostrar e explicar a toda a escola (que não teve oportunidade de participar no Kids Dive);
  4. ir além da biologia e da conservação, que é a nossa própria área de conforto, e mostrar a importância da tecnologia e a relevância que o Oceano vai ter num país com a projeção marinha que Portugal terá que assumir no futuro;
  5. a constante autoavaliação das nossas atividades através de inquéritos de forma a melhorar este projeto de forma progressiva.

 

Qual é o maior desafio deste projeto?

Há 2 grandes desafios para o Kids Dive. O primeiro é investir nas pessoas que fazem parte da equipa e que têm dado tudo pelo projeto. Ou seja, queremos que um projeto que fala de sustentabilidade seja ele próprio sustentável para que daqui a 10 anos continuemos a fazer o Kids Dive em Portugal.

O outro desafio é explicar a todos que este é um projeto educativo e não uma ocupação de tempos livres (OTL). Não estamos a desconsiderar os OTL’s e ficamos imensamente felizes por sermos contactados por tantos particulares que nos perguntam como podem inscrever os filhos no Kids Dive. Mas como investigadores universitários em primeiro lugar, temos que fazer opções.

E há uma razão para funcionarmos sempre com 3 pilares de suporte: 1) a Academia; 2) as Escolas; 3) as Autarquias locais. Com esta geometria envolvemos, em primeira linha, alunos e professores, em segunda linha, as escolas e a família e, em terceira linha, as autarquias e as decisões futuras por políticas mais sustentáveis. Acreditamos que esta interligação institucional poderá vir a revelar-se extremamente profícuo.

Mas estes são desafios de execução ou logísticos deste e de outros projetos com características semelhantes. O principal desafio do Kids Dive é ir além da transmissão de conhecimentos e conseguir alterar comportamentos. E quando o conseguirmos fazer vamos querer ir além disso e contribuir para gerações azuis cada vez mais exigentes e participativas. Assumimos que esta nossa ambição é muito grande, mas haverá outra forma de enfrentar os desafios que se perfilam à nossa frente?

 

O que querem efetivamente comunicar com o projeto? Quais os resultados mais relevantes que pretendem atingir com o projeto?

A resposta mais evidente é que pretendemos contribuir para a literacia do Oceano em conjunto com inúmeros outros projetos inovadores que têm surgido em Portugal e em todo o mundo. Queremos contribuir para despertar para a realidade, que o nosso bem estar presente depende da forma como soubermos mater o equilíbrio com o mundo natural que nos rodeia.

Mas o projeto Kids Dive tem uma particularidade que ainda não foi completamente explorada. Conforme referimos acima, os nossos participantes são os alunos em abiente escolar. Isto é, turmas completas com os respetivos professores. Estes professores trabalham os conteúdos apresentados no Kids Dive em ambiente de sala de aula o que faz com que o Oceano seja um tópico presente ao longo de todo o ano, muito para além dos 4-5 dias de contacto com a equipa do Kids Dive.

Mas mais acima falamos de outro pilar: as Autarquias. Estamos a falar do envolvimento de um decisor que tem meios para atuar a outros níveis. E se os contactos entre Academia-Escolas-Autarquias puderem vir a contribuir para a criação de novas Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) ao longo da costa Portuguesa? Isso seria um sonho tornado realidade e iria para além de todas as expectativas iniciais do Kids Dive.

 

Próximos passos?

Em 3 anos temos a noção de que o projeto Kids Dive conseguiu muito. Uma colaboração com a Autarquia de Cascais foi o pontapé de saída para este projeto. Seguiram-se outras Autarquias que se foram juntando. O projeto Fundo Azul (Min. do Mar) que ganhámos deu-nos dimensão nacional. Recentemente assumimos a primeira aventura internacional com um projeto EEA Grant que vai por alunos Noruegueses e alunos do Concelho de Sintra a trabalhar juntos. Finalmente acabámos de ganhar um projeto da National Geographic que nos vai ajudar a produzir conteúdos em vídeo VR 360˚ e não só para todas estas atividades. Até agora chegámos a cerca de 2000 alunos Portugueses. Onde iremos parar? Vamos ver… Mas nunca vamos perder de vista o principal que é simultaneamente o nosso mote: #vamossalvarooceano.

 

Qual é o conselho que deixam ao público em geral?

Nunca considerem que a contribuição que vão dar para um amanhã melhor é demasiado pequena. O Kids Dive começou como um batismo de mergulho e uma conversa com biólogos e cresceu por si. Hoje consideramo-lo uma das nossas contribuições mais relevantes para esse amanhã melhor a par das nossas atividades de investigação, porque o desenvolvimento tem que ser sustentado no conhecimento. Mas uma palhinha recusada, uma transição para um meio de transporte menos poluente, uma chamada de atenção para alguém que está a ter um comportamento errado numa área marinha protegida é uma contribuição válida e o princípio de um longo caminho para cada um de nós.

 

Qual é a mensagem principal do projeto, do ponto de vista do desenvolvimento sustentável?

Preservem ativamente o Oceano, o sistema básico de suporte de vida do Planeta Azul em que vivemos. Façam-no por esta geração e por todas as que se seguem, de todas as espécies com quem partilhamos aquele que é, até agora, o único local do universo onde sabemos que existe vida. É uma enorme responsabilidade que devemos assumir desde já!