No mais recente episódio do programa Biosfera, transmitido pela RTP, os investigadores do MARE Filipe Alves e Joana Castro, deram voz à diversidade e aos desafios enfrentados pelos cetáceos em Portugal. Sob o tema “Cetáceos em Portugal”, o episódio destacou a presença de mais de 20 espécies em águas nacionais — entre as cerca de 80 conhecidas a nível mundial —, incluindo golfinhos, cachalotes e baleias.
Além de abordarem a riqueza ecológica destas espécies, os especialistas alertaram para as crescentes ameaças resultantes da atividade humana, desde o ruído dos barcos de turismo até à captura acidental por artes de pesca.
“Nós usamos as barbatanas dorsais, no caso dos golfinhos, para fazer a identificação de cada um dos indivíduos”, explicou Joana Castro, também diretora da AIMM - Associação para a Investigação do Meio Marinho. A investigadora detalhou ainda o forte vínculo social entre estes animais:
“As ligações entre a mãe e a cria são extremamente fortes, duram vários anos. As fêmeas costumam normalmente ter só uma cria e investem todos esses cuidados parentais naquela cria e no sucesso dessa cria." Para além disto, a investigadora teve a oportunidade de observar um comportamento, normalmente associado a seres humanos – o luto. “Aquilo que nós observamos foi uma cria muito pequenina de um golfinho roaz que estava com, supomos, com a sua mãe. A mãe tentava trazer o animal à superfície, tentava que ele reagisse, mas pronto, a cria já tinha falecido, e deu também para observar o resto do grupo a acompanhar esta fêmea, portanto esta mãe. E realmente todos estes sinais, todos estes comportamentos estão diretamente relacionados com aquilo que nós observamos em outras espécies, e em nós mesmos, em humanos. Está relacionado com o comportamento de luto, e portanto podemos dizer que de certa forma estes animais fazem um luto à morte dos seus familiares, dos membros do seu grupo".
Joana Castro destacou também a importância da observação de cetáceos como ferramenta de conservação e sensibilização, mas alertou para os impactos negativos da atividade turística desregulada: "Os nossos dados indicam que há alterações a nível comportamental, portanto os animais acabam por apresentar-se mais em deslocação, reduzirem o seu período de socialização, reduzirem o seu período de alimentação."
A captura acidental por redes de pesca é outra das principais ameaças: “Apesar da colaboração crescente com os pescadores, as interações com as pescas continuam a ser uma das principais causas de morte acidental destes animais”, afirmou.
Já Filipe Alves destacou o papel essencial dos cetáceos na regulação dos ecossistemas marinhos, especialmente os cachalotes: “Eles capturam alimento a cerca de mil metros de profundidade. Depois excretam nutrientes à superfície, estimulando o crescimento do fitoplâncton, responsável por 50% do oxigénio que respiramos.”
O investigador falou também dos esforços de conservação, no âmbito do projecto Atlantic Whale Deal, liderado pelo MARE e pela ARDITI na Madeira, que visa reduzir colisões entre embarcações e grandes cetáceos.
“Estamos a testar ferramentas de acústica e satélite para criar mapas de risco de colisão e promover rotas marítimas mais seguras”, explicou o investigador, salientando que, apesar do fim da caça à baleia, estas colisões continuam a ser uma ameaça séria.
As alterações climáticas foram outro ponto de destaque:
“Espécies tropicais estão a ser avistadas cada vez mais a norte, como é o caso do golfinho pantropical, recentemente observado na Madeira”, afirmou Filipe Alves. Já Joana Castro recordou o avistamento inédito de uma baleia de Bryde em águas continentais em 2020 como sinal de mudanças ambientais profundas.
Ambos os investigadores apelaram à adoção da conservação destes animais. A preservação dos cetáceos em Portugal exige uma abordagem integrada que una investigação científica, políticas de conservação eficazes e sensibilização pública. Garantir a sobrevivência destas espécies é essencial para a saúde dos ecossistemas marinhos e para o cumprimento dos compromissos nacionais e internacionais de proteção da biodiversidade.