O investigador do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente – José Carlos Ferreira foi um dos especialistas convidados no mais recente episódio do programa Biosfera, da RTP, intitulado Urbanismo Revolucionário. O episódio centrou-se nos desafios e nas soluções para tornar as cidades portuguesas mais inclusivas, resilientes e ecológicas, numa altura em que os efeitos das alterações climáticas e a pressão demográfica tornam cada vez mais urgente repensar o espaço urbano.
Atualmente, 74% da população portuguesa vive em áreas predominantemente urbanas, distribuídas por 159 cidades. Muitas destas cresceram sem planeamento adequado e hoje enfrentam problemas como falta de espaços verdes, excesso de tráfego, risco de cheias e desconforto térmico nas habitações. Só em Lisboa, estima-se que mais de 130 mil pessoas estarão particularmente vulneráveis ao calor extremo nos meses de verão.
Durante o programa, José Carlos Ferreira defendeu que uma das chaves para cidades mais sustentáveis passa pela reorganização do território e pela valorização das infraestruturas verdes. Para o investigador, a descentralização do trabalho é essencial, fenómeno que engloba também a adoção do trabalho remoto. “Quando eu falo da descentralização, também se fala do trabalho à distância, e depois também a questão de voltar a reordenar os nossos bairros para voltar a ter estes serviços.”.
Outra solução, poderá também ser a redução do espaço dedicado ao transporte individual, que compete diretamente com a cidade. “Temos menos espaço para por exemplo, para o transporte individual. Tendo menos espaço para o transporte individual que é o grande competidor da cidade, temos mais espaço livre para as outras funções", explica.
O investigador alertou também para os impactos das alterações climáticas nas zonas urbanas, nomeadamente o aumento das chamadas "noites tropicais", em que a temperatura não desce abaixo dos 20ºC. “Isto é muito preocupante, porque mostra uma tendência grande de mudança de incremento de temperatura. Qual é que é o principal problema? As nossas cidades não estão preparadas para este aumento porque a maior parte da construção não está adaptada a este tipo de clima.”, começa por explicar. “As alterações climáticas têm as costas muito largas. O que nós temos é realmente um grave problema de ordenamento do território. Temos o território desordenado e desadequado a tudo. O que é que as alterações climáticas vieram fazer? Pôr evidência a isso"
Um dos exemplos positivos referidos no programa foi o caso de Setúbal, onde o Plano Diretor Municipal (PDM) definiu que algumas zonas de risco de inundação fossem preservadas como áreas verdes. Em vez de se optar pela construção, essas zonas passaram a desempenhar funções ecológicas importantes, como no caso da bacia de retenção do Livramento.
“Esta bacia tem quase 100 hectares, numa zona central com grande valor imobiliário. Mas, devido ao risco de inundação, foi destinada a funções compatíveis com a presença de água. A água pode ali permanecer durante meses sem causar problemas à cidade, escoando-se lentamente para o rio Sado. Para além disso, estas infraestruturas prestam serviços essenciais: regulam a água, ajudam a controlar o clima urbano, aumentam a evapotranspiração e criam habitats de biodiversidade.”
José Carlos Ferreira concluiu sublinhando a importância de uma mudança de mentalidade: "Nós temos que ter uma educação mais próxima da natureza. Temos de começar a perceber que a natureza é importante nas cidades".
Com contributos como o de José Carlos Ferreira, o episódio Urbanismo Revolucionário mostrou como é possível transformar as cidades portuguesas em espaços mais equilibrados, habitáveis e preparados para os desafios do futuro.
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