Manuel Vieira, investigador do MARE/ARNET na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa), analisa a paisagem sonora do oceano para compreender como o ruído humano interfere na comunicação dos peixes.
A conferência “Ruído Ambiente: o poluente esquecido”, promovida pelo Município de Estarreja, teve como último orador o investigador Manuel Vieira, do Fish Bioacoustics Lab, do MARE/ARNET na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa). 
Convidado a falar sobre o impacto do ruído nos peixes, levou o público num mergulho para onde, como diz, “não há silêncio”.
“Tentei mostrar que debaixo de água há uma variedade e quantidade enorme de sons. Mas há também muito ruído antropogénico que tem impacto em várias espécies, e devemos estar atentos a isso”, afirmou.
Manuel Vieira ficou surpreendido com o interesse do público. A maioria dos painéis da conferência abordou a poluição sonora terrestre e os seus efeitos na saúde humana. A sua intervenção foi a única dedicada ao meio aquático: “Acho que as pessoas gostaram dessa abertura. Era um olhar diferente. E, como era o único biólogo, fizeram perguntas sobre todos os animais”, ri-se.
Os peixes também ouvem
No laboratório, o investigador estuda como os peixes ouvem e produzem sons.
“Os peixes ouvem, uns melhor do que outros. O peixe que se considera que ouve melhor, é o peixe-dourado, aquele que temos nos aquários (...) tem adaptações muito especiais, com ossos especializados ligando a bexiga natatória aos otólitos que fazem com ele ouça bem a pressão. O charroco, praticamente, não ouve a componente da pressão do som e só deverá detetar a componente do movimento das partículas (...) Os sons que eles produzem são de baixa frequência e encaixam bem no que eles precisam para comunicar”, explica o investigador.
Nem todos os peixes produzem som.
“O peixe-dourado é ótimo a ouvir, mas não a produzir sons. Deverá estar relacionado com a importância de percecionar o seu próprio ambiente, mas ninguém sabe o verdadeiro porquê”, admite.
Os peixes que produzem sons fazem-no de várias formas: alguns vibram a bexiga natatória com músculos sónicos, “como se batessem num balão”; outros raspam ossos uns nos outros: “Temos o caso do cavalo-marinho em que o próprio crânio tem ali umas zonas que raspam umas nas outras e fazem cliques”, conta Manuel.
Os sons ativamente produzidos pelos peixes servem para comunicar, defender o território ou durante a época da reprodução.
“O charroco canta para atrair as fêmeas. Se não cantar, os machos não têm ovos no ninho”, explica o investigador. “O som pode ser essencial para a reprodução.” Também as corvinas formam coros ao pôr do sol, “um fenómeno ainda não totalmente compreendido”, acrescenta.
Quando o ruído humano se torna ensurdecedor
O seu trabalho no Fish Bioacoustics Lab centra-se na monitorização acústica passiva e na utilização de inteligência artificial para analisar grandes volumes de gravações recolhidas em locais como o estuário do Tejo.
“Colocamos hidrofones de baixo de água que ficam a gravar durante meses ou anos. Depois, com ferramentas automáticas, conseguimos detetar padrões diários, lunares ou sazonais e perceber quando surgem determinados sons”, relata o investigador.
Esses dados também permitem avaliar o impacto do ruído antropogénico: “Vimos, por exemplo, que, cada vez que um barco passa, o coro das corvinas diminui ou para. O mesmo acontece com o charroco. Testámos isso em condições controladas: colocámos altifalantes com sons de barcos e eles pararam de cantar.”
O ruído interfere na comunicação e causa stress nos animais.
“Os peixes deixam de ouvir os parceiros, os vizinhos ou os predadores. No caso dos charrocos, a exposição ao ruído dos barcos pode torná-los menos ativos, cantam muito menos, reproduzem-se menos e os ovos têm maior mortalidade”, descreve Manuel Vieira. Mesmo as larvas são afetadas. “Vimos alterações no tamanho e no consumo do saco vitelino.”
Como proteger o silêncio do mar
Questionado sobre possíveis soluções, Manuel Vieira defende a limitação do tráfego marítimo em áreas sensíveis e a criação de zonas suficientemente amplas, de modo a reduzir a propagação do ruído.
“Não é fácil limitar o tráfego em algumas zonas. Mesmo numa área protegida, se os barcos passarem fora da área, mas perto, o ruído continua a chegar lá dentro. Teríamos de ter áreas maiores para proteger a biodiversidade da poluição sonora circundante”, explica.
Para o Manuel, a investigação é apenas um passo no caminho para a sensibilização.
“A minha mensagem principal é simples: garantir que as pessoas saibam que debaixo de água não há silêncio. Assim que percebem isso, as implicações que daí resultam surgem quase instantaneamente. Se o som é usado por tantos animais, então o ruído que produzimos tem consequências.”
Manuel Vieira estudou Biologia na Universidade do Algarve e doutorou-se em Ciências ULisboa, onde desenvolve investigação sobre paisagens sonoras marinhas e comportamento acústico dos peixes. O seu trabalho no MARE/ARNET em Ciências ULisboa combina tecnologia, biologia e ecologia para compreender como o oceano soa e o que esses sons nos dizem sobre a vida que nele existe.
Para o investigador, ouvir o mar é um passo importante para percebermos o que lhe estamos a fazer.
Saiba mais sobre o trabalho do Manuel aqui:
The swimbladder does not enhance hearing in the Lusitanian toadfish.
Reproductive success in the Lusitanian toadfish: influence of calling activity, male quality and experimental design.
Temperature mediates chorusing behaviour associated with spawning in the sciaenid Argyrosomus regius.
Boat noise interferes with Lusitanian toadfish acoustic communication.
Boat noise impacts Lusitanian toadfish breeding males and reproductive outcome.
Boat noise impacts early life stages in the Lusitanian toadfish: A field experiment.
Texto de Vera Sequeira e Manuel Vieira
Fotografias de Camara Municipal de Estarreja e MARE-ULisboa