Espécies Invasoras em Portugal: Investigadores do MARE alertam para ameaça crescente aos rios e florestas

Portugal está a enfrentar uma crescente invasão biológica. Espécies de outros territórios estão a conquistar espaço em rios, barragens e florestas, com efeitos devastadores nos ecossistemas e na biodiversidade. Na rubrica "Essencial" da SIC Notícias, os investigadores do MARE (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente) Rui Rivaes, Filipe Ribeiro, João Rato e Filipe Banha chamaram a atenção para a gravidade do problema e para a urgência de medidas mais eficazes.

Siluro: o “leão dentro de água” que ameaça os rios portugueses 
No rio Tejo, os investigadores estão a estudar o impacto do siluro (Silurus glanis), o maior peixe de água doce da Europa, que já chegou também ao Douro. Pode atingir os três metros e pesar até 120 quilos.
“O que nós estamos aqui a fazer são ações de controlo populacional do siluro, também para perceber qual é o efeito da remoção do siluro numa zona que já está invadida”, explicou Rui Rivaes. “Cada vez mais estamos a apanhar mais esta espécie e exemplares cada vez maiores”, acrescentou.

Além de predador voraz, o siluro é inteligente: “Em França existem vídeos em que ele vem à praia alimentar-se dos pombos que vêm tomar banho ou beber”, afirmou Rivaes. “Ele faz também grandes aglomerações em zonas que ele sabe que as nossas espécies migram para desovar, em zonas mais confinadas que ele consiga capturá-las. Ele faz esperas também, para se alimentar desses peixes”.

Filipe Ribeiro comparou o siluro a um predador sem rival nos rios: “Nós temos de pensar nisto como sendo um leão dentro de água. Se é imune à predação, é como ter um leão dentro de água. Ele vai comer todas as outras presas e ninguém come o leão na savana. A lontra não o come, o corvo-marinho não o come, por isso o único animal que o pode controlar é o homem”.

Segundo o investigador, a capacidade reprodutiva do siluro é outro fator preocupante: Um siluro de “apenas” um metro e meio, pode chegar a desovar 320.000 ovos. Apesar de apenas 1% destes animais sobreviver, são 3 mil adultos desta espécie invasora que cada fêmea pode potencialmente. “Daqui a 20 anos, 30 anos, nós vamos ter só siluros nesta albufeira, neste parque natural. Vamos ter um rio, dentro de uma área protegida, só com espécies invasoras. Não é o objetivo que nós queremos para uma área protegida”, refere Filipe Ribeiro.

O investigador recorda ainda que muitas das espécies ameaçadas por este predador são únicas: “São valores naturais que em todo o mundo só existem cá, não existem em mais lado nenhum. São espécies endémicas. E é a nossa obrigação enquanto sociedade fazer essa preservação, essa conservação destes valores únicos”.

 

Tartaruga-da-Flórida: abandono de animais de estimação está a afetar os cágados nativos
Já na barragem do Divor, em Évora, os investigadores procuram capturar tartarugas-da-Flórida, espécie exótica que representa uma ameaça séria para os cágados-de-carapaça-estriada e o cágado-mediterrânico, espécies nativas portuguesas. Ao apresentar vantagens competitivas a nível alimentar e reprodutor, esta espécie invasora é principalmente conhecida por disputar  os locais para banhos de sol, algo fundamental para essas espécies de repteis de sangue frio.

Filipe Banha explicou como estas tartarugas chegam à natureza: “As pessoas, muitas das vezes, vêm aqui passar fins de semana, ou brincar aqui nestes locais de lazer, e acabam por trazer os animais de companhia que não pretendem manter. Acham que aqui é uma boa localização para libertar a tartaruga porque ela irá sobreviver nestas condições. O que acontece é que elas ou se estabelecem e causam impactos, ou então acabam mesmo por morrer”.

Mesmo com a proibição de três géneros de tartarugas, o comércio continua: “Ao se proibir determinadas espécies no mercado, vão surgir outras com características similares porque são aquelas que as pessoas procuram, e acabam por ter impactos na natureza similares”, afirmou Banha.

Já o investigador João Rato alertou para os riscos na  saúde humana: “Para os humanos a principal doença é a salmonela, é muito preocupante, principalmente quando as pessoas têm as tartarugas em casa, e muito mais para crianças e idosos. Isto deve-se ao facto de as pessoas mexerem na carapaça da tartaruga e a seguir levarem as mãos à boca ou aos olhos”.

Sobre a legislação, Rato destacou a falta de orientação prática: “A diretriz europeia diz que o Estado português deve controlar as espécies invasoras, não diz por que meios deve fazer, com que esforço, e portanto não há nada legislado. Atualmente, estes pequenos projetos o que fazem é montar armadilhas e depois removem as tartarugas da natureza”.

A mensagem final do investigador é clara: “não comprar a tartaruga se não tiver capacidade de a manter durante os 30 ou 40 anos de vida dela. Depois, infelizmente, se não tiverem mais essa capacidade de manter a tartaruga, não a libertem e tentem entregá-la ao CEPNA ou ao ICNF para que eles possam dar o destino final à tartaruga”.

As espécies invasoras representam uma ameaça crescente e concreta aos ecossistemas portugueses. O siluro e a tartaruga-da-Flórida são apenas dois exemplos de como a presença de espécies exóticas, muitas vezes introduzidas por ação humana, pode colocar em risco a fauna nativa. Os investigadores do MARE alertam para a necessidade urgente de controlo, prevenção e maior consciencialização pública. Preservar a biodiversidade portuguesa exige conhecimento, ação contínua e responsabilidade de todos.

 

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