MARE reforça conservação marinha com estudo pioneiro de repovoamento com meros

Estudo liderado pelas equipas do MARE-ULisboa e MARE-UÉvora mostra que a aclimatização em ambiente marinho aumenta o sucesso do repovoamento com meros criados em cativeiro. 

Um estudo desenvolvido por investigadores do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente/ARNET – Rede de Investigação Aquática, através das suas unidades da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (CIÊNCIAS ULisboa) e da Universidade de Évora, demonstrou que um curto período de aclimatização no mar pode fazer toda a diferença no sucesso das ações de repovoamento com meros (Epinephelus marginatus), uma espécie emblemática da costa portuguesa e considerada “Em Perigo” na Europa.

O trabalho, recentemente publicado na revista Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems, foi realizado na zona do Parque Marinho do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, onde a captura do mero está proibida desde 2011. Ainda assim, a recuperação da espécie tem sido lenta, dificultada por fatores como o crescimento demorado, a maturação tardia e o comportamento territorial.
“O mero-legítimo está, para o meio marinho, como o lince-ibérico está para o meio terrestre. É um predador de topo e a sua presença é indicadora de uma elevada qualidade ecológica do ecossistema aquático”, afirma Bernardo Quintella, investigador do MARE-ULisboa/ARNET e coordenador do estudo.

Na experiência, foram libertados no Porto de Sines 15 meros adultos produzidos em cativeiro pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA)/Estação Piloto de Piscicultura de Olhão (EPPO). Metade dos exemplares passou cinco semanas em instalações de contenção no mar, antes da libertação definitiva, enquanto os restantes foram soltos diretamente. Todos os peixes estavam equipados com dispositivos eletrónicos que permitiram acompanhar os seus movimentos.

“Os resultados foram claros: metade dos meros que passaram pela fase de aclimatização continuava a ser detetada no local de libertação dez meses após o repovoamento, e um deles permaneceu na zona por mais de dois anos. Em contraste, os indivíduos não aclimatizados dispersaram rapidamente, muitos em menos de dois dias”, explica Ana Filipa Silva, investigadora do MARE-ULisboa/ARNET e doutoranda, primeira autora do estudo.

Os dados recolhidos através da biotelemetria acústica — mais de 200 mil sinais registados — confirmam a importância de permitir aos animais um período de reconhecimento do habitat antes da libertação definitiva. Este passo adicional pode ser decisivo para reforçar a permanência dos peixes nas zonas protegidas e aumentar as hipóteses de sucesso reprodutivo.

“Este trabalho representa um avanço concreto nas estratégias de conservação marinha”, reforça Bernardo Quintella. “Ao garantir que os peixes reconhecem o habitat e permanecem nas áreas protegidas, aumentamos a probabilidade de sucesso reprodutivo e de recuperação das populações.”

A recuperação do mero é também relevante do ponto de vista económico, nomeadamente para o turismo de mergulho e a pesca sustentável. “Como a espécie tem um elevado valor para a pesca e para o mergulho recreativo, a sua recuperação também pode ser economicamente importante a nível regional”, acrescenta João Castro, investigador do MARE-UÉvora/ARNET e membro da equipa de investigação.

O estudo foi desenvolvido em colaboração com o IPMA e o ICNF, no âmbito dos projetos MARSW e ATLAZUL, com financiamento do POSEUR, INTERREG, Fundo Ambiental e apoio dos municípios de Odemira, Aljezur e Vila do Bispo. A infraestrutura de biotelemetria foi disponibilizada pela rede CoastNet, e o trabalho contou ainda com o apoio técnico da Seaculture e da Administração dos Portos de Sines e do Algarve.

“A conservação desta espécie terá de passar necessariamente por uma abordagem mais integrada, dirigida ao ecossistema marinho no seu todo. O que estamos a fazer é tentar acelerar a recuperação do mero numa área marinha protegida”, conclui Bernardo Quintella.

 

 

Texto de Vera Sequeira
Fotografias de Bernardo Quintella